sábado, janeiro 07, 2006

"NA MARGEM DO RIO PIEDRA. EU SENTEI E CHOREI."

"Conta a lenda que tudo o que cai nas águas deste rio - as folhas, os insectos, as penas das aves - se transforma nas pedras do seu leito. Ah, quem me dera que eu pudesse arrancar o coração do meu peito e atirá-lo na correnteza, e então não haveria mais dor, nem saudade, nem lembranças.

Nas margens do Rio Piedra eu sentei e chorei. O frio do Inverno fez com que eu sentisse as lágrimas na face, e elas misturaram-se com as águas geladas que corriam diante de mim. Em algum lugar, este rio junta-se com outro, até que - distante dos meus olhos e do meu coração - todas estas águas se confundem com o mar.

Que as minhas lágrimas corram assim para bem longe, para que o meu amor nunca saiba que um dia chorei por ele. Que as minhas lágrimas corram para bem longe, e então eu esquecerei o Rio Piedra, o mosteiro, a igreja nos Pirinéus, a bruma, os caminhos que percorremos juntos.

Eu esquecerei as estradas, as montanhas e os campos dos meus sonhos - sonhos que eram meus e que eu não conhecia.

Eu lembro-me do meu instante mágico, daquele momento em que um "sim" e um "não" podem mudar toda a nossa existência. Parece ter acontecido há tanto tempo e, no entanto, faz apenas uma semana que reencontrei o meu amado e o perdi.

Nas margens do Rio Piedra escrevi esta história. As mãos ficavam geladas, as pernas entorpecidas pela posição e eu precisava de parar a todo o instante.

- Procure viver. Lembrar é para os velhos - dizia ele.

Talvez o amor nos faça envelhecer antes da hora e nos torne jovens quando a juventude já passou. Mas como não recordar aqueles momentos? Por isso escrevia, para transformar a tristeza em saudade, a solidão em lembranças. Para que, quando acabasse de contar a mim mesma esta história, a pudesse lançar no Piedra - assim me tinha dito a mulher que me acolheu. Para que então - as águas pudessem apagar o que o fogo escreveu.

Todas as histórias de amor são iguais. "


in Paulo Coelho "Na Margem do Rio Piedra eu Sentei e Chorei",
Lisboa, 2004, Editora Pergaminho, 18ª reimpressão.

5 comentários:

Salta Pocinhas disse...

minha querida... este não li.
beijinho grande e muita força!

Sandra Neves disse...

Existem, de facto, muitas vezes na vida, por diversos motivos até, que apeece ter um rio piedra... para deitar tudo ao rio e esperar que as aguas levem e lavem.

Mas se há uma coisa que aprendi é que tudo passa, pode levar mais tempo a lavar e a levar... mas o rio acaba por conseguir.

Maríita disse...

LOL é verdade!
Sabes porque é que escolhi este texto? É um excelente texto para obrigar os mega queriduchos dos meua alunos a escrever uma pequena história ;-)! Assim têm que usar o pretérito perfeito e imperfeito...

Mas de facto, a ideia de atirar tudo ao rio não é má de todo, um bocadinho poluente...

Andorinha disse...

Eu vou mais além. Li este livro de uma ponta à outra e recomendo,mas este excerto é dos q mais me tocou, talvez pela altura e momentos em que o li.Aliás, vamo-nos deixar de tretas, pq o motivo pq cada um de nós tem um blog (ou quase todos), está na frase: "Por isso escrevia, para transformar a tristeza em saudade, a solidão em lembranças".
É assim que se ajuda o rio a levar tudo e a lavar o resto.Eu tenho um defeito:não choro, logo não lavo.Como tal, mal,mas escrevo.Pode ser que consiga expurgar alguma coisa...

Maríita disse...

Comecei a escrever com oito anos, uma excelente história policial, competia com os livros dos Cinco, depois escrevia diários com pequenos contos que inventava, depois já mais tarde, durante o Erasmus, tinha um caderninho onde apontava as minhas reacções, emoções e outros ões. Aqui há uns meses deitei tudo fora, foi uma benção...