sexta-feira, dezembro 15, 2006

Susto e Augusto Pinochet!

Como todos os dias, para além dos jornais DN, Público e Diário Económico, dou sempre uma vista de olhos à página de internet do Sapo, mas hoje o Sapo queria assustar-me então não é que tinha um título de notícia que diz "Nova Lei da Nacionalidade entra esta sexta-feira em vigor", e eu assustei-me a pensar que hoje ainda era quinta-feira...não se faz! Uma pessoa aqui cheia de dores de garganta, nariz entupido e uma leve dor de cabeça e vê um título destes...
O que me lembra que já há uns dias que me apetece celebrar a morte de Augusto Pinochet, mas ainda não tive propriamente oportunidade. Se há algo em comum nas ditaduras da América Latina, para além de serem ditaduras, foi a forma como o poder foi exercido. A Argentina ou o Chile (mas também o Brasil, República Dominicana entre outros), têm em comum a forma musculada como o poder foi exercido, também têm em comum centenas de pessoas dadas como desaparecidas durante o período que durou a ditadura, normalmente os opositores eram convidados a dar um passeio de barco e em alto mar eram lançados aos tubarões. Convenhamos que é um método muito eficaz de alguém se ver livre dos seus inimigos, mas como não deixava traço, levou a que muitas famílias se organizassem em busca dos seus entes queridos.
Se Augusto Pinochet tivesse sido julgado, seria por questões que nunca seriam directamente relacionadas com o massacre do povo chileno, mas sim, como pretendia o juiz Baltazar Garzón, pelo desaparecimento de alguns cidadãos espanhóis. É que ainda hoje, e em democracia, não existem provas materiais dos crimes cometidos por Pinochet, existem rumores, boatos, conversas de café que apesar de terem um fundo de verdade, não são sustentáveis em tribunal. E é aqui que reside o maior problema de todos os países que viveram em regimes repressivos, como não existe um "acto de contrição" a nível nacional, com culpados e expiarem as suas culpas na cadeia e defensores da democracia a serem reconhcidos como tal, as feridas permanecem abertas mesmo que à superfície estejam aparentemente saradas. Ao mínimo desequilibrio essas cicatrizes abrem e sangram, tal como se pôde observar nos dias que sucederam à morte de Pinochet.
Se aparentemente o primeiro parágrafo deste texto não tem nada que ver com os seguintes, do meu ponto de vista permite-me retirar uma ilação, sou abençoada por viver em Portugal, onde a minha preocupação se prende com a leitura errada do título de um jornal e não tenho que passar o resto da minha vida a perguntar-me se o meu filho, pai ou irmão terá sido morto pela ditadura...

2 comentários:

Unknown disse...

Falta-te aqui um detalhe, para além dos desaparecidos nunca encontrados, que provavelmente foram parar ao estômago dos tubarões, foram encontradas valas comuns com dezenas de corpos, corpos esses que foram alguns identificados como opositores desse Ca*****. O juiz espanhol, efectivamente puxou a 'brása à sua sardinha', mas fez com que se desenvolvesse no Chile movimentos, constituídos por opositores ao regime, que se lançaram desesperadamente na busca de provas das atrocidades cometidas a mando do ditador. O objectivo era apanharem o barco da justiça internacional que se estava a agigantar contra ele, em grande parte da responsabilidade do tal Garzon. Essas provas até foram reunidas, mas o problema foi que o poder contra Pinochet estava todo exilado, fugido, ou simplesmente desaparecido do país, e a maior parte, integrado já noutra realidade social, com famílias, e com muito mais a perder, e que logicamente com medo de eventuais represálias, nunca se envolveram.

Podes-te efectivamente regozijar desta nossa ACTUAL democracia, mas num passado não muito distante, em Portugal pessoas eram presas, algumas deportadas, por divergências políticas com o regime da altura. Algumas eram simplesmente detidas com base em suspeitas, foi o caso do meu pai, que em 1964, tinha eu 3 anos, foi preso em Caxias durante 3 meses, simplesmente por, devido a um grande azar, ter sido apanhado num local na baixa lisboeta onde se manifestavam estudantes, ele regressava a casa e no momento que se cruzava com os manifestantes, os Pides começaram a fazer detenções. O meu pai muito mais velho que os estudantes, foi considerado inclusive como o organizador, de nada lhe valeu explicações, a minha mãe ficou sozinha, esse tempo todo connosco, três crianças, e nem a marinha lhe dava explicações. O que lhe valeu foi precisamente ser militar, e lhe terem dado um tratamento diferenciado, do que eles apelidavam de “opositores ao regime, instigadores da desordem pública e atentar à unidade nacional”, crime com moldura penal superior ao homicídio, pelo facto de poderem ser detidos por tempo indeterminado.

Eu, em 1998 visitei o Tarrafal em Cabo Verde, local onde tiveram muitos portugueses, alguns morreram por lá, outros regressaram com marcas dos horrores que por lá sofreram. Um Cabo Verdiano já velhote, também ele prisioneiro daquela prisão, serviu-nos de guia nas explicações do que eram as rotinas diárias dos presos, as torturas, os locais onde ocorriam, num relato privilegiado de quem os tinha sofrido na primeira pessoa.

Quando por vezes constato alguns jovens manifestarem a suas opiniões baseadas em documentos com défice de rigor histórico, contra o 25 de Abril, por exemplo, a favor do ultra-nacionalismo, como outro exemplo, e por aí fora, dá-me cá uma volta ao estômago, que nem imaginas.
Mas é o preço desta ‘adolescente democracia’, este pluralismo de opinião tem este preço, apesar de ser originário dum viver sem memória, tão característico deste povo, ao qual, por pertenceres, te sentes abençoada.

:)

Beijoca

Maríita disse...

Jotabê,

O motivo que me leva a escrever pouco sobre o período da ditadura em Portugal, não é facilmente explicável, mas divide-se em dois factores:
- Familiares pró Salazar
- Familiares anti Salazar

Cada um destes grupos sofreu e muito, fosse no pós 25 de Abril, fosse durante a ditadura.

Ainda assim estou convencida que outros países tiveram ditaduras muito piores que a nossa.

Beijinhos