Ser Tuno

Estudei em Coimbra e sou fã da Tradição Académica na sua verdadeira acepção.

Vivi Coimbra como deve viver um estudante da Academia, trajei-me e tracei a capa pela primeira vez na minha 1ª Serenata na minha 1ª Queima das Fitas.
Tive uma afilhada, roubei o nabo no mercado e atirei o grelo no Rio Mondego pedindo 3 desejos, fui no Carro no Cortejo e fui Cartolada pelas ruas de Coimbra, sentei-me nas escadas da Sé de Coimbra durante 12 horas para assistir à minha última Serenata e chorei baba e ranho quando tudo acabou. Tive o orgulho ser eu a gritar o FRA pela Faculdade de Economia à qual pertencia.
Um dos dias mais felizes da minha vida, não foi quando saiu a minha última nota, mas sim o dia do meu Rasganço!
No entanto sempre disse que apenas me faltaram duas coisas para ter feito "tudo" o que correspondia ao que eu mais gostava na tradição: fazer parte de uma trupe, e ter feito parte de uma TUNA.

Seis anos passados, continuo a ter pena de nunca ter feito parte de uma trupe, mas passou-me completamente o desejo de ter feito parte duma Tuna. Esta parte é bem mais complicada de explicar, mas vou tentar fazê-lo...

Assisto a espectáculos de Tunas há 15 anos, sempre me fascinaram daí eu querer ter feito parte de uma, mas desconhecia por completo o que é que isso significava e de onde vinha o encantamento. Este fim de semana soube o porquê.

O meu irmão é Tuno há 7 anos. Acompanho-o desde então, e assisti a múltiplas actuações dele e dos amigos, mas principalmente assisti ao crescimento de uma pessoa diferente e completa. Ele nunca seria como é e o que é hoje, senão fosse a Tuna.
A todos aqueles que pensam que os Tunos não passam de uns calões que levam anos a acabar o curso, bêbados, arruaceiros, parvalhões que só querem comer gajas ou tipos arrogantes que se acham mais que os outros, como eu já muitas vezes ouvi por aí, só vos tenho a dizer : a ignorância é uma coisa muito triste!!!

Não, isto não é uma irmão coruja a falar. É alguém que ao longo dos anos, e especialmente no último ano teve o privilégio de ter a companhia diária e acompanhar muitos novos amigos TUNOS.

Aquilo que eu aprendi:
1) São PESSOAS, SERES HUMANOS, como TODOS NÓS! Estudam, namoram, casam e têm filhos. São amigos e companheiros durante a faculdade, e são nossos colegas nas empresas em que trabalhamos. São pessoas absolutamente normais mas que têm em comum o gosto pela música e pelo convívio.

2) Dentro da Tuna têm um ritual difícil de ultrapassar que é passar de caloiro a Tuno. O desgraçado do caloiro é aquele vocês pensam que está a ser praxado (e efectivamente está), mas não por crueldade ou arrogância ou só porque os mais velhos passaram pelo mesmo. Ele está a aprender a ser humilde! Sabem o que é HUMILDADE? Aquela característica que muitos de nós devíamos ter e não temos. Está a aprender a não ser envergonhado e ser capaz de abordar qualquer pessoa com naturalidade e simpatia. A ser DESENRASCADO e saber lidar com as situações mais inesperadas e saber sair delas. A saber o que significa hierarquia e RESPEITO pelos outros. A absorver conceitos como: AMIZADE, solidariedade,COMPANHEIRISMO e ENTREAJUDA. Conhecem muito sobre o que é ter 50 pessoas completamente diferentes e aprendem, senão a respeitar, pelo menos a conviver com as diferenças e passam a saber lidar com qualquer tipo de pessoa que lhes vá aparecer um dia pela frente.
Só passa a Tuno quem os aprendeu tudo isto.É uma honra passar a Tuno, e só faz falta quem lá está. Ou seja, se não passaste, ou se te piraste de alguma, é porque não ganhaste esse direito.

3) Que depois de chegarem a Tunos, estes conceitos permanencem ao longo da vida, em todas as suas vertentes: como Amigos, como Colegas de trabalho, como Chefes, como Profissionais, como Maridos e como Pais.

4) Last, but not the least, eles adoram preparar novas músicas, viajar, rir e curtir com os amigos. É em muitas dessas viagens que surgem canções, baladas e amizades mais fortes.
São essas que eles levam a Palco durante os festivais, e são essas que os enchem de Adrenalina quando estão lá e com todo o gosto as apresentam a Pais, irmãos e irmãs, namoradas, amigos e amigas e totais desconhecidos, tudo porque nos querem ver vibrar como eles, e principalmente encantar! Só nós que os acompanhamos é que temos noção do quanto eles dão "ao litro", do nervosismo em Palco que de repente se transforma em emoção. Sem sabermos, do outro lado dos cenários, somos contagiados e assim somos, como eu fui, "enfeitiçada" por estes grupos!

Quem sou eu para falar de Tunos, ou de uma Tuna quando nunca fiz parte de nenhuma? Não sou ninguém. Limito-me a ser Amiga e Irmã. Observadora e não participante. Acompanho-os, mas não sou uma deles, nem assim deve ser. O grupo é próprio, só a eles pertence, só eles sabem tudo o que comporta de bom e de mau.

Porque é que, se gosto tanto de Tunas, já não sinto a frustação de nunca ter feito parte de nenhuma?
Porque agora sei o que me enfeitiçava durante as actuações, e não é por não ter feito parte de uma que deixei de sentir o mesmo. Assim, já não tenho essa pena, deixei-a em Coimbra junto aos "Segredos desta Cidade que levo comigo p'ra vida". Mas confesso-me uma privilegiada e porque após ter saído da Universidade foi-me dada a oportunidade de os conhecer como colegas, chefes, mas acima de tudo como Amigos.Eles deixam que todos os dias eu seja presenteada com a presença deles em minha casa para conversar, tomar café, partilhar alegrias e tristezas e sem querer, deixaram-me entrar de mansinho no melhor que tem o grupo: no sentido de amizade e dar tudo por tudo por algo e alguém de quem gostamos!